sexta-feira, 16 de julho de 2010

Vida Maria

Assista ao curta VIDA MARIA:



Acompanhamos Maria durante o seu trabalho no sitio onde vive. Vai dos 5 aos 45 anos e passa todo seu estilo de viver para sua filha Lurdes. O filme mostra ciclos de vida nos quais muitas vezes ficamos.

http://www.portacurtas.com.br/Filme.asp?Cod=4910

http://www.viacg.com/

http://vimeo.com/11153523

domingo, 4 de julho de 2010

Deixa pra lá

Deixa pra lá


Publicado em 04.07.2010


Dayse de Vasconcelos Mayer
dayse@hotlink.com.br

Entramos - o marido e eu - numa creperia. Uma senhora francesa já havia providenciado o pedido para o filho pequeno. Aguardava a feitura do crepe junto ao balcão sem revelar impaciência. Colocada a massa espessa na placa redonda e quente, o profissional pôs o círculo já cozido na palma da mão e espalhou o veludoso creme de chocolate. Dobrou o disco no feitio de meia lua e, novamente, no formato de um quarto de círculo. A tarefa foi realizada com excesso de rapidez e as beiradas ficaram desencontradas. Insurgiu-se a francesa contra a sobreposição incorreta. Exigiu o preparo de outro doce. A criança presenciava tudo com o olhar esfaimado. Parecia dizer que boca e estômago desconhecem preciosismos dessa ordem.

Posso compreender - mas apenas hoje - a lógica daquela mulher. No Primeiro Mundo o consumidor é exigente, notadamente quando paga caro. No Brasil, é muito ostensiva a cultura do "deixa pra lá". Ela se exterioriza na aversão a reclamações e reivindicações, e consequentemente na despreocupação com o bem comum. Faz recordar a velha canção dos Mutantes: "Ah, deixa pra lá... e esquece este drama ou o que for sem sentido". Todavia nada é desprovido de sentido, embora aquele que reivindique um direito receba a pecha de criador de caso, encrenqueiro, mal-humorado ou prepotente.

O "deixa pra lá" existe em todos os setores da nossa existência. A expressão passou a significar "estou farto de problemas, a vida já é suficientemente difícil e não desejo aumentar a minha quota de estresse". Com isso acabamos por reforçar a cultura da transigência e da impunidade. A lógica é a mesma: "não esquentar", ainda que o "ficar frio" signifique a renúncia ao que é justo e legítimo.

Utilizamos a expressão "deixa pra lá" quando esperamos uma ou mais horas pelo embarque num aeroporto, quando perdemos uma manhã ou uma tarde no consultório do médico - mesmo naquelas consultas com agendamento prévio (optamos, nesse caso, pela espera resignada lendo revistas antigas ou pedaços de jornal). Do mesmo modo, ignoramos o extrato bancário com a inclusão de um débito indevido porque o valor irrisório não compensa a ida à instituição de crédito, pagamos a multa de trânsito aplicada exatamente no período em que estávamos viajando e o carro ficou trancado na garagem, deixamos de exigir a dedução das horas e dos dias em que os provedores de internet nos deixaram sem conexão causando prejuízos de diferentes ordens, consumimos demasiado tempo com ligações telefônicas para contato com prestadoras de serviço, esquecidos inclusive da elevação da fatura telefônica no final do mês. Sequer refletimos que qualquer empresa, ao fazer uso das maravilhas da tecnologia substitutiva da mão de obra humana, não deve e não pode ignorar que a técnica é propícia a lesar a parte mais fraca. Bastante curioso é o problema dos celulares pré-pagos. Tentamos ligações em vão, mas logo escutamos o tilintar de cobrança no aparelhinho. Reclamar 57 centavos seria o pico da vergonha! Até porque rico não usa celular pré-pago.

Por acréscimo, vale a pena não esquecer as questões de ordem familiar. Quase sempre relaxamos o controle da vida dos nossos filhos, ignorando as amizades que cultivam e os indícios evidentes de que o cigarro de maconha escondido na gaveta da escrivaninha poderá representar o uso do crack num futuro próximo. No plano dos governos, fechamos os olhos à expansão desmedida de construções clandestinas, esquecendo as possíveis calamidades do amanhã. Afinal, se os governos não têm condições de oferecer ao povo habitação digna, para não perder o voto dos deserdados da sorte, é melhor "deixar para lá".

Por tudo isso, é fácil entender porque as leis no Brasil são violadas constantemente, o fenômeno da corrupção se exacerba, a droga se propaga sem qualquer travão, o número de assassinato de mulheres cresce em catadupa, os casos de pedofilia e violência contra crianças indefesas explodem a cada dia, as pessoas perdem as suas casas ou são soterradas quando chega a estação invernosa. Afinal, tudo está interligado ou funciona como uma teia complexa. Seria bom porém que tivéssemos consciência de que somos corresponsáveis, quando deixamos tudo pra lá apenas para ver como é que fica.

» Dayse de Vasconcelos Mayer é professora universitária e advogada

Fonte: Jornal do Commercio - 04 de julho de 2010

O País da bola

O País da bola


Publicado em 04.07.2010

Dom Edvaldo G. Amaral


Se um desavisado estrangeiro, não antenado com as notícias esportivas do mundo, chegasse nesses dias ao nosso País, julgaria que estávamos celebrando importante data cívica, o descobrimento, a independência, a proclamação da república ou coisa assim. O País todo ornamentado de bandeiras nacionais, o povo vestido com as cores nacionais, enfim, aos olhos do turista estrangeiro, deveria tratar-se da comemoração de um megaevento nacional, uma excepcional celebração cívica.

Como bom brasileiro que pretendo ser, não sou contra o futebol. Mas não consigo compreender que um esporte, por mais "nacional" que seja, se transforme em extraordinária celebração cívica. Que uma partida de futebol numa Copa mundial seja alçada ao nível de um culto à Pátria, que a ela se dê o sentido de civismo e uma decisão esportiva seja algo que interesse ao futuro da Nação e tenha graves consequências para o progresso nacional. Acho que há algo de exagero em tudo isso. "É o Brasil inteiro acompanhando a narração dos locutores" - dizia entusiasmado um deles. Até a devoção a Santo Antônio, o santo mais popular do Brasil, desta vez no domingo 13 de junho, foi invocada para proteger o desempenho de nossos jogadores na partida de abertura da participação brasileira desta Copa do Mundo na África do Sul.




Acho que há um entusiasmo fora das medidas. Quando nosso país precisa trabalhar muito para vencer o subdesenvolvimento, a nossa juventude tem que estudar muito mais para se preparar para um futuro melhor, penso que nossas energias não deveriam aplicar-se tanto ao futebol e à torcida pelas vitórias esportivas...

O futebol no Brasil de hoje é o verdadeiro ópio do povo. Esquecem-se grandes problemas nacionais, esquecem-se assuntos graves de interesse nacional e pensa-se só em futebol. Há exagero, sim.

Que o Senhor, nosso Deus, tenha compaixão deste país da bola. Ou para estar mais atualizado com esta Copa africana, diga-se é o País da jabulani... Que Ele abençoe nossos craques, representantes de nossos futebol em terras africanas, mas sobretudo a nós, os torcedores. Faça com que o País da bola seja campeão da ética na política, campeão dos valores cristãos para nossa juventude, tão esportiva e menos preocupada com a seriedade da vida.

» Dom Edvaldo Amaral é arcebispo emérito de Maceió

Fonte: Jornal do Commercio - 04 de julho de 2010