domingo, 22 de agosto de 2010

O reino da pirataria

O reino da pirataria

Jornal do Commercio - Recife
Publicado em 22.08.2010


Estudo do Instituto Maurício de Nassau aponta que 7 em cada 10 recifenses consomem produtos falsificados. O Centro da capital é o principal ponto de venda

João Valadares
jotavaladares@gmail.com

Os números impressionam. Só este ano, mais de um milhão de produtos piratas foram apreendidos pela Polícia Civil, 212 pessoas indiciadas e 146 procedimentos encaminhados à Justiça. Mas nada mudou. Os chamados piratex continuam em alta. Recife é o reino da pirataria. Tem de tudo. DVD, CD, tênis, roupa, óculos, bolsas, brinquedos, jogos eletrônicos e celulares. Em qualquer lugar. Da esquina mais suja do Centro ao bar de classe média na Avenida Boa Viagem. É a alegria barata e fácil do flanelinha e do advogado de terno. Sete entre cada 10 recifenses consomem produtos pirateados. É o que aponta pesquisa inédita do Instituto Maurício de Nassau.

Entre os consumidores mais novos, os índices são ainda maiores. Na faixa etária entre 16 e 34 anos, o percentual de consumo varia entre 87% e 89%. O levantamento, coordenado pelo pesquisador Roberto Santos, indica a classe C como a grande propulsora da pirataria. “Quando observamos o cruzamento do consumo com classes sociais, notamos um forte percentual concentrado na classe C (80%). Como sozinha a classe C corresponde a 62,8% da população do Recife, podemos dizer que ela é a grande impulsionadora da média geral de consumidores”, analisa o pesquisador do Instituto Maurício de Nassau Roberto Santos.

Outro dado importante é que R$ 71,6% dos consumidores adquiriram a mercadoria falsificada há menos de um mês. “É uma modalidade de comércio em pleno funcionamento.” O DVD e o CD são os produtos mais comprados e os mais citados para compras futuras, com 89% e 84% respectivamente. Nas classes A e B, 67% dos entrevistados disseram comprar.

“Aqui, todo o mundo compra. Do mais pobre ao mais rico. O preço é muito bom. Com apenas R$ 2, você leva um lançamento para casa. Um filme que, muitas vezes, não chegou nem no cinema. É venda na certa”, diz o ambulante Estênio Santos, 27 anos. A declaração dele bate com os números revelados no levantamento. A pesquisa mostra que o preço e a facilidade de compra são os fatores que mais contribuem para a multiplicação do comércio ilegal.

O titular da Delegacia de Repressão à Pirataria, Tiago Cardoso, diz que há um fator cultural difícil de ser combatido. “As pessoas das mais diversas classes sociais acham natural comprar produtos pirata. Não percebem que o Estado está deixando de arrecadar impostos e que elas mesmas vão pagar mais caro lá na frente. Muitos estabelecimentos, inclusive os frequentados pela classe média, permitem que os vendedores de produtos piratas comercializem os produtos normalmente.”

O estudo da Maurício de Nassau revelou que 93,6% da população tem consciência de que vender produtos pirateados é crime. O delegado explicou que comprar mercadorias falsificadas não representa um delito. O artigo 184 do Código Penal prevê pena de dois a quatro anos para quem violar direito autoral.

O pesquisador Roberto Santos ressaltou que a compra de pirataria pela internet é quase inexistente. “Apenas 2,3% das pessoas responderam já ter realizado esta modalidade. Este dado pode ser atribuído à desconfiança em relação à qualidade do produto, já que pela internet o consumidor não pode testar nem há garantias de troca ou devolução.”

Ele informou que em relação à hipótese de não mais existir produtos pirateados, 58,5% afirmaram que comprariam os produtos originais e 18,2% não. “Dos que não comprariam nas lojas, 93,8% disseram ser em virtude do alto preço. Esta é uma informação das mais relevantes da pesquisa porque mostra que o cálculo das perdas geradas pelos produtos piratas deve ser realizado com base nos 58,5% que iriam comprar as mercadorias originais, representando a perda real em relação aos impostos que o Estado deixaria de arrecadar.”

PRINCIPAIS PONTOS

O Centro do Recife, com 34%, é o local mais procurado por quem quer comprar os produtos falsificados. Logo em seguida, com um percentual bem menor, vem Casa Amarela (3,9%), Afogados (3,2%), Boa Viagem (3,2%), Cordeiro (3,1%), Água Fria (3%), Encruzilhada (2,2%), Iputinga (2%), Várzea (1,9%), Madalena (1,7%). “O que acontece aqui no Centro é um absurdo. Os vendedores atrapalham o trânsito com esses tabuleiros enormes. Isso não é uma questão apenas de polícia. É, sobretudo, uma questão que compete à prefeitura. Há uma desordem urbana enorme”, reclama o engenheiro civil Paulo Antônio dos Santos, 42. Apesar da indignação, ele admite comprar DVDs. “Até a Polícia Militar compra”, justifica.

A pesquisa de campo foi feita nos dias 27 e 28 de julho deste ano. Foram realizadas 816 entrevistas com base numa amostragem aleatória simples com um nível de confiança de 95% e margem de erro de 3,5 pontos percentuais. O Instituto Maurício de Nassau comunicou que, no primeiro estágio, foram sorteados os setores censitários. Numa segunda etapa, houve um número fixo de 12 entrevistas em cada setor selecionado. “É importante lembrar que a pesquisa trata de produtos piratas. Estamos nos referindo ao desrespeito aos contratos e convenções internacionais quando ocorrem cópia, venda ou distribuição de material sem o pagamento dos direitos autorais, de marca e ainda de propriedade intelectual e de indústria. Desta maneira, exclui-se o comércio puramente de contrabando. Claro que a pirataria é uma forma de contrabando, mas essa distinção é fundamental.”

Quando o trabalho faz mal à alma

Quando o trabalho faz mal à alma

Publicado em 22.08.2010

Jornal do Commercio - Recife


Crescem os casos de assédio moral nas empresas. Afastamento prejudica o empregado, seus colegas, patrões e contribuintes. Saiba como denunciar

Raissa Ebrahim
raissa@jc.com.br

Marcos (nome fictício) trabalhou dois anos e meio em uma loja de esportes de um shopping do Recife. Era considerado um excelente funcionário, chegou a receber o título de melhor vendedor do Nordeste e segundo melhor treinador de vendas da rede no Brasil. Mas em seu último ano na empresa, começou a receber advertências e obrigações esquisitas do novo gerente. O chefe o ordenava a realizar serviços que não eram de sua obrigação, reclamava constantemente de seus trejeitos e chegou a deixá-lo algumas vezes sem intervalo para comer. Ao sair de férias, o gerente deixou pronta a carta de demissão do subordinado. Marcos foi vítima de um fenômeno crescente entre a população economicamente ativa do Brasil, o assédio moral, que vem aumentando os casos de depressão e de ordem emocional no ambiente de trabalho. O Ministério da Previdência não dispõe do número exato das despesas causadas por este tipo de problemas, mas é possível estimar. Somente em 2009, se levarmos em conta, num cálculo modesto, apenas um mês de afastamento de cada funcionário, o governo federal gastou mais de R$ 11 milhões em auxílio-doença.Se tomarmos um prazo de um ano para cada licença, o valor salta para R$ 132 milhões.

Hoje Marcos está deprimido e fazendo acompanhamento psicológico. Está desempregado porque não consegue enfrentar uma nova seleção de trabalho e diz que no início até pensou em suicídio. Ele acredita que o gerente não tolerava o fato de ele ser homossexual. Para o sistema previdenciário brasileiro, os transtornos mentais e comportamentais decorrentes do ambiente laboral, como depressão, síndrome do pânico e transtornos de estresse e ansiedade, são enquadrados como acidentes de trabalho. Em 2007, ano em que foi instaurada uma nova tecnologia de análise para combater a subnotificação dos acidentes, o Ministério da Previdência Social registrou quase 7,7 mil casos de afastamento por esse tipo de transtorno. Em 2008, esse número saltou para pouco mais de 12,8 mil. Em 2009, último ano de que se tem registro, foram quase 13,5 mil benefícios concedidos. Nesses três anos, houve, portanto, um aumento aproximado de 75% dos casos.

Em 2006, quando ainda não haviam sido instituídos os novos procedimentos para detectar essas doenças, o número de notificações foi de apenas 612 casos. Para se ter ideia da gravidade do problema, de 2007 para 2009, houve um acréscimo de 71% só nas pessoas que sofrem de transtornos de humor por causa do emprego.

Do ponto de vista econômico, o prejuízo é grande não só para o doente e o empresário da iniciativa privada, mas também para o governo e o contribuinte, que tem que arcar com os custos previdenciários e de tratamento do País. O prejuízo em decorrência da redução da produtividade, diminuição da qualidade dos produtos e serviços e deterioração da imagem da empresa são preocupantes. Isso sem falar das faltas e da maior rotatividade de mão de obra. Pessoas com depressão, por exemplo, têm quatro vezes mais chances de faltar ao trabalho.

ALÉM DO INSS

Os gastos não se limitam à Previdência. Só para se ter uma ideia, de 2002 a 2009, os investimentos do Ministério da Saúde em políticas de saúde mental aumentaram 142%, saltando de R$ 619,2 milhões para R$ 1,5 bilhão ao ano. Mas para o professor do Departamento de Ciências Contábeis e Atuariais da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e mestre em Direito Previdenciário Severino Pessoa dos Santos, “os problemas mentais e comportamentais ainda não estão devidamente mensurados nos estudos que servem de base para definir despesas, contribuições e o futuro da previdência e da assistência médica no Brasil” Diz ele: “Essas novas patologias ainda não estão equacionadas como deveriam no sistema previdenciário do País”.

Para o pesquisador da UFPE e diretor da Sociedade Pernambucana de Psiquiatria, Amaury Cantilino, a sociedade hoje exige muito das pessoas, e o trabalho pode ser um ambiente muito fértil para o estresse e os transtornos de ansiedade. “Os problemas com o chefe, a competitividade interna e as metas muito apertadas costumam gerar desmotivação. Infelizmente quem termina se dando bem é quem consegue se adaptar a essa roda-viva”, lamenta ele.

TECNOLOGIA

E o cenário atual do mercado de trabalho não é muito animador. Os avanços tecnológicos, ao contrário do que se pensava anos atrás, não têm diminuído a carga de serviço e aumentado o tempo livre para o lazer. O trabalho passou a nos perseguir no e-mail, no celular e no smartphone.

As categorias profissionais mais atingidas costumam ser atendentes de telemarketing, funcionários do comércio, professores e bancários. No setor de teleatendimento, há relatos de intenso monitoramente até mesmo para ir ao banheiro.

Os sintomas iniciais mais comuns de quem sofre com o emprego e pode chegar a desenvolver algum transtorno mental e comportamental são irritabilidade, insônia, angústia, ansiedade, dificuldade de concentração e hipersensibilidade emocional. O Ministério da Saúde não sabe mensurar ao certo quantas pessoas sofrem do problema em decorrência das más condições de trabalho, mas, de acordo com a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (Pnad), do IBGE, feita em 2008, 4,1% dos brasileiros sofrem de depressão.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2000 a depressão era a quarta doença mais comum do mundo. A previsão é que nos próximos dez anos ela caia para segunda colocada, perdendo apenas para os problemas cardíacos, e, em 2030, seja a doença mais comum do mundo, inclusive demandando altos custos econômicos e sociais principalmente para os países em desenvolvimento. As más condições de trabalho, certamente, contribuirão para este quadro.

Para a Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde, cerca de 10% a 25% das pessoas, em todas as faixas etárias, podem apresentar um episódio depressivo em algum momento da vida. Mas Cantilino adverte que aí também reside o problema: muita gente que não desenvolveria a doença termina sendo vítima.

Roberto (nome fictício), por exemplo, desenvolveu uma síndrome do pânico por causa das pressões do chefe da nova empresa para a qual foi contratado. Ele já havia trabalhado em duas outras firmas do setor varejista, onde presenciou cenas marcantes de desrespeito com outros funcionários. Os gerentes costumavam chamar os empregados por apelidos maldosos e gritar na hora de dar ordens e repassar funções.

Nessa nova companhia, Roberto, além de conviver com a cobrança interna pois era o emprego que sempre almejou, tinha que conviver com a pressão da competição e das metas apertadas. “Além de dar 150% de mim no trabalho, eu terminei dando também a minha saúde física e mental”, comenta ele.

A angústia e ansiedade começaram a aumentar até que Roberto passou a sentir falta de ar, taquicardia e medo constante de estar em determinados locais. Quando ele pensava no trabalho, os sintomas ficavam ainda mais perceptíveis. “Meu corpo se contraía todo e parecia que eu estava prestes a lutar com um leão, o problema é que eu não sabia quem era esse leão nem o que estava acontecendo”, conta ele.

Por sorte, Roberto procurou logo ajuda e hoje está fazendo sessões de terapia e tomando remédios. Ele passou a adotar também uma nova filosofia: respeitar os seus próprios limites e não levar os problemas do trabalho para casa. Está se sentindo bem melhor.

PEDINDO AJUDA

Uma das alternativas para quem sofreu assédio moral ou discriminação no trabalho é procurar o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e fazer a denúncia. Lá o empregado pode registrar a queixa e participar de uma conciliação com a empresa acusada, não sendo necessário levar advogados ou testemunhas. Caso tenha alguma dúvida sobre o assunto ou ainda esteja inseguro em prestar a queixa, pode solicitar uma consulta, na qual receberá orientação sobre seus direitos.

Fernando Sampaio é auditor fiscal do trabalho e coordenador da Comissão Regional de Igualdade, Oportunidade e Combate à Discriminação do MTE-PE e já presenciou inúmeros casos de depressão e outras perturbações psicológicas. “Muita gente demora a perceber o assédio moral e só detecta quando o quadro de problemas físicos e mentais já se instalou. Já vi muitos casos de ataques nervosos e até pré-enfartes nas sessões de conciliação. Alguns ficam com sequelas pelo resto da vida porque demoram a procurar ajuda”, testemunha Sampaio. Segundo o auditor, as cobranças algumas vezes fazem com que a pessoa passe a desconfiar da própria capacidade, quando na verdade o empregador é quem cria todo um contexto na tentativa de que o funcionário se demita. “Muitas vezes a empresa vem para a conciliação alegando que o funcionário falta muito e ela, a empresa, é que se prejudica. Mas o empregador às vezes não pensa que a causa das faltas pode ser as más condições do ambiente de trabalho”, comenta.

domingo, 8 de agosto de 2010

Ao discípulo com carinho

Ao discípulo com carinho


Para formar internamente os futuros talentos, cada vez mais empresas utilizam o coaching, a técnica de aproveitar os executivos experientes como tutores dos mais jovens


Por Daniela Diniz 14.11.2001

Revista EXAME -


O grego Sócrates, um dos maiores pensadores de todos os tempos, costumava reunir seus discípulos na ágora, o antigo mercado de Atenas, para discutir as questões da existência. Ele nunca escreveu uma única linha. Seu método resumia-se a propor temas, instigar idéias com perguntas, ouvir o que seus seguidores tinham a dizer, ensinar e, ao mesmo tempo, aprender. O objetivo: desenvolver as pessoas à sua volta. Hoje, mais de 2,4 mil anos após a morte do filósofo, seu método de trabalho -- algo aparentemente elementar -- transformou-se numa das mais requisitadas ferramentas dos executivos de recursos humanos das grandes empresas. Em sua moderna versão corporativa, a técnica socrática ganhou o rótulo de coaching. O termo é inglês, mas tem origem no francês coche, uma espécie de carruagem -- numa referência, portanto, àquele que conduz.


Poucas, porém, são as empresas que conseguem obter resultados concretos das tentativas de transformar os executivos em desenvolvedores de pessoas. Por quê? Basicamente por uma razão: hoje, apesar de tudo o que se fala sobre a importância das pessoas, muitas organizações ainda estão mais preocupadas com processos e controle. A divisão brasileira de iluminação da holandesa Philips, que desenvolve há dois anos um programa de coaching, é um exemplo de organização que conseguiu desviar um pouco a atenção da própria estrutura e voltar os olhos também para o indivíduo. "Antes de desenvolver a empresa, temos de desenvolver nossos líderes", diz Cesar Gomes, gerente-geral de recursos humanos da divisão de iluminação da Philips na América Latina. "Só assim poderemos criar uma estrutura que aprenda consigo mesma e melhorar a competência da liderança."


O que ocorre na Philips é uma exceção. Na maioria dos casos, o coaching é muito discutido na sala dos diretores de recursos humanos, mas não chega a vingar na prática. "É muito comum que o coaching seja visto apenas como mais uma ferramenta de gestão", escreveram Marshall Goldsmith, Laurence Lyons e Alyssa Freas, organizadores do livro Coaching for Leadership -- Greatest Coaches Help Leaders How the World's Learn (Coaching para liderança -- como os melhores treinadores do mundo ajudam os líderes a aprender). "Na verdade, coaching é muito mais que isso."


Um bom programa de coaching é resultado de uma estratégia de negócio centrada em talentos. Para Sócrates, o momento de estar com os discípulos era sagrado. O exercício de aprendizado era diário, sem datas, horários e agendas para cumprir. A vida nas empresas é bem diferente. "É muito difícil convencer um executivo a parar e analisar o desempenho do seu subordinado", diz Liliane Veinert, diretora de recursos humanos do BankBoston. "A alegação é, quase sempre, falta de tempo."


Falta de tempo normalmente é sinônimo de ausência de prioridade e disposição para aprender. Essa disposição deve ser exercitada no dia-a-dia, na parada para o cafezinho e nas reuniões de avaliação. "Fazer coaching é ter a capacidade de perceber o outro, ouvir, diagnosticar as falhas e planejar o crescimento", diz Vicky Block, sócia da subsidiária brasileira da DBM, consultoria especializada em coaching para executivos que registrou um aumento de 80% nas solicitações de empresas, no último ano. "É mostrar ao subordinado como caminha a empresa, para que ele possa dar seus passos." Isso envolve aspectos pessoais, de comportamento e, sobretudo, a visão que cada membro da equipe tem dos negócios e da própria carreira. "Coaching é um método de respeitar as pessoas como indivíduos, não apenas como uma engrenagem da máquina corporativa", diz Laurence Lyons, no livro Coaching for Leadership.


Esse é o foco do trabalho do mineiro José Taboada Estevez, de 42 anos: entender o que se passa na vida dos seus subordinados, dentro e fora da empresa. Há quatro anos, ele assumiu a gerência-geral de uma das agências do BankBoston em São Paulo. Sob seu comando está uma equipe de seis gerentes e dois assistentes. "A diferença entre um gerente e um coach é a mesma que entre um professor e um mestre", diz Estevez. "O professor está preocupado em passar a informação. O mestre procura deixar um ensinamento."


Com tal postura, Estevez tenta identificar as deficiências de seus comandados e saná-las, seja no papo corriqueiro, seja numa reunião mais formal. Foi dessa forma que ele agiu com Elizeth Aparecida Carvalho, promovida, há um ano, de analista para gerente nível 1. "A vaga já existia há mais tempo, mas ela ainda não estava pronta", diz Estevez. "Somente depois de oito meses de aprendizado, conseguiu equilibrar sua vida profissional e pessoal e, então, foi promovida."

O desenvolvimento do subordinado é praticamente a razão de ser do coaching. No entanto, o tutor não pode esquecer que está desenvolvendo pessoas para um melhor funcionamento da empresa. "A pergunta é: por que vou desenvolver meu subordinado?", diz Carlos Faccina, diretor de recursos humanos da Nestlé. "Porque, para o bem da empresa, o meu sucessor deverá estar mais bem preparado do que eu, no futuro."


Mostrar o caminho certo (pensando na empresa e no funcionário) não é tão simples. Cartas e e-mails já foram instrumentos eficazes utilizados por presidentes de grandes companhias na hora de mostrar o rumo aos seus comandados. Ram Charan conta, em seu livro What the CEO Wants You to Know (O que o presidente da sua empresa quer que você saiba), lançado no Brasil pela editora Negócios, que o presidente de uma grande companhia americana, após uma reunião sobre orçamentos, escreveu uma carta ao seu melhor funcionário detalhando a questão. A intenção do chefão era mostrar como seu subordinado poderia agir, focando diretamente o negócio principal da empresa. Com um olho na companhia e outro no talento do profissional, o executivo mostrou o caminho que a organização precisava seguir naquele momento.

Pode parecer estranho, mas bilhetes, cartas ou e-mails são bons instrumentos de coaching -- seja para focar o negócio, explicar melhor um projeto, seja para falar sobre o desempenho do subordinado. "A conversa é o meio mais utilizado", diz Vicky. "Mas o papel também é uma forma de contato. Isso depende da relação que o executivo tem com o funcionário."


Há pouco mais de dois anos, o economista italiano Simone Cioccolani chegou ao Brasil para trabalhar na área de marketing da subsidiária da Unilever. A adaptação não foi fácil. Por causa das diferenças culturais, Cioccolani vinha tendo alguma dificuldade para se integrar à equipe, formada na época por 12 pessoas. A administradora de empresas paulista Andrea Salgueiro, de 34 anos, chefe do departamento de marketing da Unilever, foi então designada coach de Cioccolani. Segundo ela, além de conselheira, teve de se transformar até em analista do italiano nos momentos em que seu pupilo precisava. "Conversava muito com Simone sobre os problemas pessoais, além dos profissionais", diz Andrea. "Eu precisava entender o que ele queria na empresa e ele precisava saber como era a organização no Brasil." Entre uma conversa e outra, Andrea encontrou uma solução que, aparentemente, supria a necessidade da Unilever e condizia com as perspectivas de Cioccolani. Ela criou um novo cargo na Unilever, a gerência de inovação, e o entregou ao colega italiano. "A missão dele passou a ser o desenvolvimento de projetos para o futuro da empresa", diz Andrea. "Um trabalho que, além de se adequar à sua potencialidade, contribuiria com a Unilever."


O que Andrea, hoje tutora dos sete membros da sua equipe, fez foi apenas seguir a principal regra do coaching (veja quadro na página ao lado): manter o funcionário sempre informado sobre o seu desempenho. Isto é, fazer o que costuma ser chamado de feedback. A etapa do retorno é a campeã das causas de aborrecimentos entre os diretores de recursos humanos, responsáveis pela formação dos tutores nas empresas. O tempo, nesse caso, é a desculpa preferida para que os chefes deixem de apontar as deficiências de seus subordinados ou economizem elogios. "A questão do feedback chega a ser um problema cultural do brasileiro", diz Maria Lúcia Ginde, gerente de treinamento e desenvolvimento da Unilever. Uma conseqüência dessa negligência ou resistência dos executivos a uma conversa franca de retorno para os subordinados é a evasão de profissionais promissores. "Já perdemos talentos por falta de um bom feedback", diz Liliane, do BankBoston. O arrependimento, nesse caso, não vai fazer com que os talentos perdidos retornem.


A Alcoa, uma das maiores fabricantes globais de alumínio, também atribui a perda de profissionais à falta de feedback. "A princípio, boa parte dos casos de desligamento da empresa ocorria por problemas de desempenho", diz Cinthia Galetti Bossi, gerente de planejamento da subsidiária brasileira da Alcoa. "Na verdade, muitos funcionários nunca tiveram um retorno do seu trabalho. Suas falhas não foram reveladas e eles não tiveram a chance de acertar."

Sem um diálogo franco, o coach não tem como transmitir seu conhecimento e tampouco fazer o funcionário crescer. "É impossível obter sucesso numa organização se não existe capacidade de relacionamento", diz Vicky, da DBM. "Sem conversar com os funcionários, não há como saber quais são suas ambições na empresa ou entender por que não estão rendendo em determinado trabalho."


Mais uma regra essencial do coaching: não desistir de ensinar. Ainda que o subordinado não seja a pessoa mais brilhante da empresa, é preciso insistir e, principalmente, fugir da tentação do "deixa que eu faço", comum entre os chefes mais nervosinhos. "É melhor calar uma resposta que você tem em dois segundos e deixar seu funcionário responder em duas horas", diz Saionara Barbosa de Assis, gerente de negócios da Fundação Dom Cabral, de Belo Horizonte, um dos principais centros de treinamento e aconselhamento de executivos do país.


Em oposição aos chefes que se irritam com funcionários inexperientes e preferem terminar o trabalho sozinhos, há aqueles que são superprotetores e se comportam como um típico pai que não consegue largar a mão do filho e deixá-lo caminhar sozinho. Isso também é um problema. "Quando acontece o paternalismo, o funcionário acaba não evoluindo", diz Walter Lerner, professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo especializado em gestão por competências humanas. "Ele sabe que tem alguém por trás para terminar ou refazer o trabalho que não ficou bem-feito."


Apesar de ser uma tarefa árdua, transformar os executivos em mestres é hoje uma das prioridades dos diretores de recursos humanos. Vários são os fatores apontados pelos especialistas para explicar a disseminação dos programas de coaching. O primeiro deles é que houve uma mudança de postura imposta por uma necessidade das organizações: a de formar líderes e sucessores. "Há três anos, as empresas buscavam adotar a prática do coaching porque o conceito estava na moda", diz Saionara. "Hoje, está mais claro que é preciso construir carreiras dentro da empresa. E para isso é preciso treinamento."


A mudança estrutural que afetou uma grande parte do mundo corporativo explica essa necessidade. Num passado recente, havia camadas e mais camadas na pirâmide hierárquica. Atualmente, existem poucos níveis intermediários, e a relação entre chefes e subordinados é mais direta e menos burocrática. "Antigamente, a estrutura das empresas era mais vertical. As deficiências detectadas no meio da pirâmide eram superadas pelos mais experientes, que ocupavam o topo", diz Faccina, da Nestlé. "Hoje, as empresas são mais horizontais. Todos devem estar preparados para solucionar os problemas."


Outra razão que explica a ânsia pelo coaching, segundo Saionara, da Dom Cabral, é a demanda por profissionais que sejam, além de criativos e competentes, perspicazes e interessados. Esse perfil não é conseguido da noite para o dia. "As empresas não encontram profissionais prontos no mercado", diz ela. "É preciso lapidar os talentos e moldar os futuros sucessores -- aqueles que vão levar a empresa no futuro. E isso toma tempo."


http://portalexame.abril.com.br/revista/exame/edicoes/0753/gestao/m0052116.html