domingo, 22 de agosto de 2010

O reino da pirataria

O reino da pirataria

Jornal do Commercio - Recife
Publicado em 22.08.2010


Estudo do Instituto Maurício de Nassau aponta que 7 em cada 10 recifenses consomem produtos falsificados. O Centro da capital é o principal ponto de venda

João Valadares
jotavaladares@gmail.com

Os números impressionam. Só este ano, mais de um milhão de produtos piratas foram apreendidos pela Polícia Civil, 212 pessoas indiciadas e 146 procedimentos encaminhados à Justiça. Mas nada mudou. Os chamados piratex continuam em alta. Recife é o reino da pirataria. Tem de tudo. DVD, CD, tênis, roupa, óculos, bolsas, brinquedos, jogos eletrônicos e celulares. Em qualquer lugar. Da esquina mais suja do Centro ao bar de classe média na Avenida Boa Viagem. É a alegria barata e fácil do flanelinha e do advogado de terno. Sete entre cada 10 recifenses consomem produtos pirateados. É o que aponta pesquisa inédita do Instituto Maurício de Nassau.

Entre os consumidores mais novos, os índices são ainda maiores. Na faixa etária entre 16 e 34 anos, o percentual de consumo varia entre 87% e 89%. O levantamento, coordenado pelo pesquisador Roberto Santos, indica a classe C como a grande propulsora da pirataria. “Quando observamos o cruzamento do consumo com classes sociais, notamos um forte percentual concentrado na classe C (80%). Como sozinha a classe C corresponde a 62,8% da população do Recife, podemos dizer que ela é a grande impulsionadora da média geral de consumidores”, analisa o pesquisador do Instituto Maurício de Nassau Roberto Santos.

Outro dado importante é que R$ 71,6% dos consumidores adquiriram a mercadoria falsificada há menos de um mês. “É uma modalidade de comércio em pleno funcionamento.” O DVD e o CD são os produtos mais comprados e os mais citados para compras futuras, com 89% e 84% respectivamente. Nas classes A e B, 67% dos entrevistados disseram comprar.

“Aqui, todo o mundo compra. Do mais pobre ao mais rico. O preço é muito bom. Com apenas R$ 2, você leva um lançamento para casa. Um filme que, muitas vezes, não chegou nem no cinema. É venda na certa”, diz o ambulante Estênio Santos, 27 anos. A declaração dele bate com os números revelados no levantamento. A pesquisa mostra que o preço e a facilidade de compra são os fatores que mais contribuem para a multiplicação do comércio ilegal.

O titular da Delegacia de Repressão à Pirataria, Tiago Cardoso, diz que há um fator cultural difícil de ser combatido. “As pessoas das mais diversas classes sociais acham natural comprar produtos pirata. Não percebem que o Estado está deixando de arrecadar impostos e que elas mesmas vão pagar mais caro lá na frente. Muitos estabelecimentos, inclusive os frequentados pela classe média, permitem que os vendedores de produtos piratas comercializem os produtos normalmente.”

O estudo da Maurício de Nassau revelou que 93,6% da população tem consciência de que vender produtos pirateados é crime. O delegado explicou que comprar mercadorias falsificadas não representa um delito. O artigo 184 do Código Penal prevê pena de dois a quatro anos para quem violar direito autoral.

O pesquisador Roberto Santos ressaltou que a compra de pirataria pela internet é quase inexistente. “Apenas 2,3% das pessoas responderam já ter realizado esta modalidade. Este dado pode ser atribuído à desconfiança em relação à qualidade do produto, já que pela internet o consumidor não pode testar nem há garantias de troca ou devolução.”

Ele informou que em relação à hipótese de não mais existir produtos pirateados, 58,5% afirmaram que comprariam os produtos originais e 18,2% não. “Dos que não comprariam nas lojas, 93,8% disseram ser em virtude do alto preço. Esta é uma informação das mais relevantes da pesquisa porque mostra que o cálculo das perdas geradas pelos produtos piratas deve ser realizado com base nos 58,5% que iriam comprar as mercadorias originais, representando a perda real em relação aos impostos que o Estado deixaria de arrecadar.”

PRINCIPAIS PONTOS

O Centro do Recife, com 34%, é o local mais procurado por quem quer comprar os produtos falsificados. Logo em seguida, com um percentual bem menor, vem Casa Amarela (3,9%), Afogados (3,2%), Boa Viagem (3,2%), Cordeiro (3,1%), Água Fria (3%), Encruzilhada (2,2%), Iputinga (2%), Várzea (1,9%), Madalena (1,7%). “O que acontece aqui no Centro é um absurdo. Os vendedores atrapalham o trânsito com esses tabuleiros enormes. Isso não é uma questão apenas de polícia. É, sobretudo, uma questão que compete à prefeitura. Há uma desordem urbana enorme”, reclama o engenheiro civil Paulo Antônio dos Santos, 42. Apesar da indignação, ele admite comprar DVDs. “Até a Polícia Militar compra”, justifica.

A pesquisa de campo foi feita nos dias 27 e 28 de julho deste ano. Foram realizadas 816 entrevistas com base numa amostragem aleatória simples com um nível de confiança de 95% e margem de erro de 3,5 pontos percentuais. O Instituto Maurício de Nassau comunicou que, no primeiro estágio, foram sorteados os setores censitários. Numa segunda etapa, houve um número fixo de 12 entrevistas em cada setor selecionado. “É importante lembrar que a pesquisa trata de produtos piratas. Estamos nos referindo ao desrespeito aos contratos e convenções internacionais quando ocorrem cópia, venda ou distribuição de material sem o pagamento dos direitos autorais, de marca e ainda de propriedade intelectual e de indústria. Desta maneira, exclui-se o comércio puramente de contrabando. Claro que a pirataria é uma forma de contrabando, mas essa distinção é fundamental.”

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