sábado, 11 de dezembro de 2010

Indícios de Melhora - Setor Público

Indícios de melhora
Práticas existentes nas administrações direta e indireta e a nova geração de funcionários indicam que as avanços no setor público são inexoráveis



Ainda há muito o que fazer quando o assunto é gestão de pessoas no setor público. Alguns desafios perduram, como a descontinuidade das políticas dos compromissos e de algumas ações em função da troca de dirigentes em mudanças políticas, como lembra o diretor da Diretoria Internacional (DINT) da FGV, Bianor Cavalcanti, autor do livro O gerente equalizador: estratégias de gestão no setor público. "Nada na administração pública é muito bem feito, em termos de gestão de pessoas", diz. Mas ele não vê um cenário pavoroso. "A evolução significativa nessa área, contudo, é uma realidade que vai se impondo", acrescenta.

Em entrevista à MELHOR, o professor destaca algumas iniciativas positivas a partir da constatação de que a liderança histórica da administração federal, em matéria de inovações nos métodos de gestão de pessoas, cedeu lugar a alguns estados, como Minas Gerais e Espírito Santo, que têm se revelado muito empreendedores nesse sentido. Além disso, ele faz questão de frisar que alguns setores do governo são bem mais profissionalizados do que outros, o que tem implicações para a gestão de carreiras e funções a ela associadas, como treinamento e o desenvolvimento. "A área fazendária, por exemplo, tem um lastro profissional consolidado há muito tempo", conta, observando ainda que nas boas empresas governamentais, públicas ou mistas, assim como nas fundações, a gestão de pessoas tende a se aproximar das melhores práticas das empresas privadas. "Exemplos clássicos são a Embrapa, a Fundação IBGE e a municipal Comlurb, menos badalada, mas muito eficiente."

Para fortalecer ainda mais a opinião de que se o trabalho a ser feito em gestão de pessoas é muito e que o futuro tende a ser promissor, Cavalcanti procura ancorar suas esperanças na nova geração de funcionários desse setor, que com novos valores, exigências e expectativas, é a garantia de inovação e criatividade. "Segundo a grande filósofa Hanna Arendt, o bebê que está nascendo, neste exato momento, é nossa garantia de esperança, pois ele vai querer mudar tudo que encontrar. Será, por definição, um agente de mudança, um paladino da inovação."

A gestão de pessoas no setor público tende a se aproximar das melhores práticas das empresas privadas? O que já é muito bem feito nesse sentido nas instâncias federal, estaduais e municipais?
Certamente, guardadas as diferenças da natureza de cada uma, o setor público tende a buscar, assim como as empresas privadas, a adoção de melhores práticas de gestão de pessoas. É necessário, no entanto, termos em conta que as abordagens e os métodos para atrair, manter e desenvolver pessoas no setor público, principalmente os talentos, não necessariamente se aproximam daqueles utilizados pelas empresas privadas. A administração pública está sujeita, por exemplo, à regra constitucional do concurso público para admissão. O valor "mérito" pode ser assegurado em ambas as esferas, pública e privada, mas por abordagens e práticas distintas. As implicações das diferenças de lógica entre os setores, em relação às nossas noções de eficiência, eficácia e efetividade, geram algumas incompreensões no que diz respeito à administração pública. Nela, tais valores são aferidos com outros princípios, tais como os da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade por maneiras formalmente mais restritivas. Isso, sem esquecermos o necessário e incontornável, embora complicadíssimo, controle político sobre a administração. Nada na administração pública é muito bem feito, em termos de gestão de pessoas. A evolução significativa nessa área, contudo, é uma realidade que vai se impondo - não de forma universal e absoluta. Generalizações aqui podem ser, positiva ou negativamente, muito enganadoras.

Há muita diferença entre o que se faz nessas instâncias?
Em um primeiro corte no sentido institucional vertical, os níveis federal, estaduais e municipais apresentam desenvolvimentos muito diferenciados. É interessante constatar, no entanto, que a liderança histórica da administração federal, em matéria de inovações nos métodos de gestão de pessoas, cedeu lugar a alguns estados que têm se revelado muito empreendedores nesse sentido. Esse é o caso de Minas Gerais e do Espírito Santo, por exemplo. Em Minas, a administração desenvolveu, nos últimos anos, com bom nível de consistência, um programa de avaliação de desempenho atrelado a um sistema de indicadores de resultados e, é claro, a um sistema de recompensas. Num segundo corte, há as diferenças setoriais. Alguns setores de governo são bem mais profissionalizados do que outros, o que tem implicações para a gestão de carreiras e funções a ela associadas, como o treinamento e o desenvolvimento. A área fazendária, por exemplo, tem um lastro profissional consolidado há muito tempo. A área de segurança tem evoluído também, tanto em nível federal quanto estadual.  Em um terceiro corte, existem significativas diferenças entre as administrações direta e indireta, nos três níveis de governo. É claro que nas boas empresas governamentais, públicas ou mistas, assim como nas fundações, a gestão de pessoas tende a se aproximar das melhores práticas das empresas privadas. Exemplos clássicos são a Embrapa, a Fundação IBGE e a municipal Comlurb, menos badalada, mas muito eficiente. Na instância estadual, cito o Inea, que é o braço operacional de gestão ambiental do Estado do Rio de Janeiro. O instituto resulta de uma recente fusão de três órgãos. Os elementos de mudança estrutural, assim como aqueles relacionados a importantes revisões de processos, tais como o de licenciamento ambiental, estão inseridos no contexto de um planejamento estratégico fortemente apoiado pela definição de indicadores de desempenho e por um programa muito sensível de desenvolvimento gerencial. O investimento no capital humano é o foco irradiador das mudanças firmemente orientadas para resultados.

E quais são os maiores desafios que o gestor de pessoas enfrenta na esfera pública?
Na administração direta, creio serem as condicionantes sistêmicas que, a despeito das diferenças inerentes às diversas áreas, favorecem o tratamento padronizado. Um ministério, ou uma secretaria estadual ou municipal responsável pela gestão, estabelece centralizadamente parâmetros que podem obstaculizar soluções mais afinadas com a natureza de cada setor. Fazer política difere de fazer educação, que difere de fazer saúde que difere de fazer cultura. O ajuste fino de políticas e práticas de gestão ao caráter setorial é sempre muito difícil. Na esfera privada, os graus de liberdade são infinitamente maiores. Outro ponto digno de nota é a sempre lembrada descontinuidade das políticas, dos compromissos e das ações, associada à mudança de dirigentes ou instabilidades no provimento de recursos. Nem sempre um grande esforço de formulação é seguido pela consequente implantação e operação. É comum que estas, quando ocorrem, possam estar sujeitas a afrouxamentos ou mesmo suspensões. Com isso, os sistemas vão ganhando uma consistência entre o barro e o tijolo, suficiente para o exercício do formalismo estéril, mas imprópria para a construção mais sólida de uma arquitetura de gestão. Esses pontos pautam aquele que penso ser o maior desafio: manter motivados e comprometidos aqueles talentos que, com espírito público e competência, querem dedicar a vida ao enfrentamento dos desafios grandiosos que, em termos geográficos, setoriais e no seu conjunto, o Brasil nos oferece. Eles existem em um número infinitamente maior do que a maioria das pessoas pensa.

Voltando a comentar a troca de governantes que, em geral, vem acompanhada de uma mudança de estratégia, valores, cultura e processos. De que forma essa descontinuidade prejudica a gestão de pessoas na área pública?
Em setores e organizações menos profissionalizados, essas trocas de dirigentes podem inviabilizar, a cada rodada, o desenvolvimento do que possamos entender como um sistema de gestão de pessoas. Mas as trocas, como já disse, são desejáveis e inevitáveis. A alternância democrática do poder político implica, em alguma medida (no nosso caso, grande), a mudança de dirigentes administrativos, politicamente designados. Nas organizações públicas em que o nível de profissionalismo é maior, as mudanças mais erráticas são de certa maneira impedidas ou minimizadas por força dos grupos profissionais e dos patamares de racionalidade administrativa já alcançados. Essa força, no entanto, pode, é comum acontecer, manifestar um corporativismo reacionário a mudanças necessárias, mas que possam causar algum desconforto aos interesses investidos.  

Nas empresas privadas, fala-se muito em uma gestão de pessoas que estimule a inovação e a criatividade. Isso é possível, no entanto, nos órgãos públicos, nos quais ainda há o predomínio de um sistema hierárquico tradicional? Como desenvolver "agentes de mudança" nesse contexto?
Existem terras mais férteis, menos férteis ou mesmo pobres. Os produtos e os processos de adubação e os sistemas de plantio diferenciados têm feito milagres na produção mundial de alimentos. De fato, sistemas muito hierarquizados e centralizados geram patologias típicas do comportamento burocrático, dentre elas, a simples aversão à iniciativa própria. Inovação e criatividade, então, nem pensar. Nesses novos tempos, no entanto, os processos de "adubação dos solos áridos" já estão em bom curso. A consolidação da democracia vem tornando o cidadão/eleitor/contribuinte cada vez mais exigente. Já há quem os chame até, no meu entender impropriamente, de clientes. A cobrança crescente sobre os políticos, sujeitos à decisão de compra, digo, de voto do eleitor, desaguará crescentemente na cobrança destes sobre seus administradores, com consequências para a solução dos problemas da população. Isso é adubo para o solo pobre e gera, necessariamente, inovação, nas abordagens e nos métodos. A introdução inexorável de novas tecnologias é adubo também, e do bom. As novas gerações de funcionários, com novos valores, exigências e expectativas é a garantia indubitável de inovação e criatividade.  Segundo a grande filósofa Hanna Arendt, o bebê que está nascendo, neste exato momento, é nossa garantia de esperança, pois ele vai querer mudar tudo que encontrar.  Será, por definição, um agente de mudanças, um paladino da inovação.

Em seu livro O gerente equalizador, o senhor aborda exemplos de administradores públicos que possuem um histórico de realizações. Esses "agentes de mudança" são ou foram verdadeiros líderes? Que competências um líder no setor público precisa ter?
Possuem um histórico de realizações importantíssimas, a despeito das dificuldades de toda natureza. Para superar os obstáculos, tiveram de exercer com maestria toda a sua capacidade de liderar, de inspirar subordinados, pares e superiores a caminhar no sentido das pequenas, médias e grandes realizações, no curto, no médio e no longo prazos. Suas habilidades congregam os elementos da liderança, tais como visão, carisma e capacidade de convencer, como também habilidades no trato das questões de poder, das manifestações culturais e dos instrumentos de gestão. Meu livro identifica 32 estratégias bem-sucedidas, ditas equalizadoras, de gestão no setor público brasileiro. Para minha surpresa, o livro despertou a atenção de argentinos e canadenses, tendo sido publicado em espanhol e em francês.

O capital humano é visto hoje pelas empresas privadas como um grande diferencial competitivo. Isso ocorre também no setor público?
Creio que o Brasil está mais consciente e positivamente preocupado com seu posicionamento em termos de capacidade competitiva num mercado globalizado.

Nossa capacidade de gerar e atrair capitais, de gerar energia, de satisfazer exigências logísticas, de avançar em termos tecnológicos, comerciais e gerenciais na produção sustentável de bens e produtos, de gerar desenvolvimento e bem-estar social para nosso povo depende, em larga medida, da formulação e execução de nossas políticas públicas. Cada um de nós deve dar uma resposta a essa pergunta. Como vemos o funcionalismo público? O que esperamos dele? O que queremos dele cobrar? O quanto estamos dispostos a dar nosso apoio? Esse elemento humano representa despesa ou investimento para a geração de riqueza e a competitividade nacional? Devemos decapitar ou capitalizar o funcionário público?

http://revistamelhor.uol.com.br/textos.asp?codigo=13014

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