domingo, 28 de fevereiro de 2010

Mais do que pássaros - Marlesson Rêgo

Mais do que pássaros
Publicado em 28.02.2010 - Jornal do Commercio


Marlesson Rêgo
Gosto de começar o dia no quintal da casa onde moro, observando os pássaros em um livre ciclo da vida: acordam, cantam, se alimentam, se acasalam, fazem ninhos, se reproduzem, até o dia em que morrem. Eles seguem um fantástico programa biológico regidos por processos físico-químicos. Foi aí que lembrei de um ensino de Jesus de Nazaré, registrado no Evangelho de Mateus: "Olhem para as aves do céu, que não semeiam, não colhem, não ajuntam em celeiros, e o vosso Pai celestial as alimenta. Vocês não têm mais valor do que elas? (Mt 5:26)". No contexto do "Sermão do Monte", Jesus procura acalmar as pessoas ansiosas ou inquietas, mostrando que a ansiedade é tão antiga quanto moderna.

Na sugestão de olhar para os pássaros, Jesus mostra que a satisfação de necessidades básicas, como o alimento, não depende dos pássaros reconhecerem a existência de um Criador, eles não perguntam por Deus ou pelo significado da vida. Jesus também não nega que os pássaros saem em busca do alimento. Por isso, não se trata de negar a importância do trabalho na vida. O que Jesus deixa claro é que, se há recursos disponíveis para pássaros, muito mais haverá para os seres humanos, que valem mais do que pássaros. E valem muito mais porque a vida de um ser humano não se resume a comer, dormir, reproduzir e, depois, morrer, embora seja necessário plantar, arar, colher e juntar a colheita nos celeiros. Mas, quando a sociedade faz a opção de se reduzir à produção e ao consumo ela reduz também o ser humano a algo que é menos do que deveria ser. Contra essa tendência já nos avisava Charles Chaplin: "Não somos máquinas, somos homens". É nessa linha que podemos entender o discurso de Jesus: só crescemos como pessoas quando amamos ou desejamos algo melhor do que nós, que seja mais do que somos. Então, Jesus se refere a nós como filhos do Pai celestial. Logo, somos mais do que pássaros e não precisamos nos manter em um estilo de vida que nos torna ansiosos e infelizes, como se fosse um programa inflexível a ser cumprido.

Por que a ansiedade atinge o ser humano e não atinge os pássaros? Porque os pássaros não desejam ser menos do que pássaros. Quanto ao ser humano, vive desejando ter mais sendo menos. Por exemplo, quando uma pessoa acredita que será melhor pai ou mãe trabalhando cada vez mais para proporcionar aos filhos a posse de bens oferecidos pelos anúncios comerciais, mesmo que implique em perda de convívio com os filhos. Contra essa tendência profetizava o escritor inglês Oscar Wilde: "Há duas tragédias humanas: uma é não conseguir o que se quer, a outra é conseguir". Isto sugere que as pessoas ricas e poderosas sabem de algo que as demais pessoas duvidam: poder e dinheiro não satisfazem.

Nesse ponto, peço permissão a você, leitor (a), para mencionar um surpreendente encontro com um ex-aluno de minha avó materna. Ele disse que costumava lembrar dela como uma pessoa que o ajudou a crescer. Cito isto porque acredito que todos nós podemos nos eternizar na vida de alguém e isto dá sentido à nossa vida e nos faz felizes, mesmo que uns estejam trabalhando e outros procurando trabalho. Afinal, até os pássaros saem em busca do sustento. Mas, um beija-flor me lembrou que valemos mais do que pássaros.

» Marlesson Rêgo é mestre em ciências da religião e professor do IFPE

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