domingo, 28 de fevereiro de 2010

Trincheira doméstica

Trincheira doméstica
Publicado em 28.02.2010 - Jornal do Commercio


Criar filho é uma tarefa árdua. Ninguém pode negar. Mas encontrar uma babá competente para ficar de olho nas crias enquanto papai e mamãe saem para “caçar” é muito mais. Eu diria até que muitíssimo. Talvez seja uma questão cármica. Definitivamente, não tenho tido sorte na seleção de pessoal.
Os marxistas que me perdoem, mas encontrar uma funcionária minimamente qualificada para trabalhar como doméstica está ficando impossível. Do ponto de vista de uma típica mãe de classe média que vive com a corda no pescoço, arcar com um salário mínimo, mais passagens, mais outros benefícios estipulados por lei – sem contar com os agradinhos extra para a funcionária, parentes e agregados – definitivamente é um desafio cada vez maior. A gente dá até o que não tem. Mas para receber em troca é uma luta.

Quando você mais precisa, a empregada falta, desliga o celular, some por uma semana (comigo já aconteceu de a dita cuja não dar notícia por um mês!), aparece ou, pior, desaparece muito magoada porque você reclamou dos atrasos ou das faltas recorrentes. Como assim magoada? O cenário é doméstico, mas a relação é profissional! Claro que ninguém tem o direito de ser grosseiro com ninguém. Mas, se tem bônus, tem que haver ônus, já dizia meu pai. Discutir a relação de vez em quando também é inevitável entre patrões e funcionários.

Ao longo dos últimos cinco anos, é surreal o que já vivi para conseguir manter alguém trabalhando dentro de minha casa, enquanto eu trabalho fora dela. Lembro de uma candidata que não aguentou mais que uma hora de “experiência” e saiu correndo lá de casa sem explicar direito por quê. Só algumas semanas depois, com a ajuda da criatura que me fez o desserviço de indicá-la, descobri que para a moça em questão (na verdade, em fuga) tatuagem é sinal de pacto com o demônio. Eu e meu marido, portanto, estávamos comprometidos com as profundezas até o talo.

Mas já vivi coisa pior: discuti com marido enciumado que nem trabalhava, nem deixava a esposa trabalhar, tive que ouvir conselhos sobre moda e estética na hora de compor meu look pela manhã, tirei roupa minha de dentro da bolsa alheia, perdi misteriosamente tantos anéis, brincos e afins, que estou é quase perdendo a confiança na humanidade.

O pior de tudo é que ainda tem as meninas no meio desse fogo cruzado. Na minha encenação doméstica do eterno e inevitável embate entre empregados e empregadores, são elas que sofrem mais. Porque se apegam. E depois ficam saudosas. Sentindo-se abandonadas. Estranhas no ninho dentro da casa delas.

E toda vez fico me perguntando onde foi que errei. Juro que não sou carrasca. Tenho, sim, um expediente meio inconstante, que, de vez em quando, teima em se estender. Mas acho que esse problema não é meu. Aliás, não é só meu. É trabalhista. Social. Brincar de casinha no palácio alheio para voltar toda noite e dormir na favela não tem mesmo como ser viável para nenhum ser humano. Graças a Deus existem creches no mundo!

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