sexta-feira, 2 de abril de 2010

Treinamento para a vida

Treinamento para a vida
Publicado em 02.04.2010 - Jornal do Commercio - Recife


Lília Barbosa
O mundo atual é de uma dificuldade imensa. Competição, ferramentas de internet que aparecem a cada mês, necessidade de mestrados, MBAs, Ph.Ds. e outros tantos para ter uma vida profissional melhor. Isso sem falar que ainda nos lembram 24 horas por dia que temos de ter qualidade de vida e vida em família. Pergunto: como?

No entanto, há sim possibilidades de ter tudo isso: sucesso profissional, qualidade de vida e estar com a família. O que a maioria das pessoas não tem é disciplina com seu próprio tempo. Essa é a grande questão. Não existem viciados em trabalho. O que existe é falta de programação de prioridades, ou seja, ausência de foco e ação para fazer a coisa certa e não apenas aquilo que é confortável fazer.

Partindo desses pressupostos, o coaching é bastante antigo. Suas raízes podem ser percebidas claramente nas palavras dos grandes filósofos. Sócrates é um exemplo. O estilo socrático de ensinar não contemplava as respostas e sim os questionamentos, o modo de pensar e agir. O termo vem do inglês, cujo significado é treinar e desenvolver aptidões. A palavra tem sua origem vinculada aos esportes. Em 1996, Gallwey, professor de tênis, lançou o livro “O jogo interior do tênis.” Nele, demonstra os resultados que obteve em treinar de forma diferente dos técnicos da época. No lugar de dizer o que o jogador devia fazer, ele fazia perguntas que ampliavam a consciência da pessoa durante o jogo. Na concepção do autor, o maior adversário não é o seu oponente que está do outro lado da quadra e sim você próprio. E isso não é diferente no jogo da vida. Isso é coaching: um processo empresarial ou pessoal mais avançado que explora a capacidade individual, das equipes nas organizações e de seus líderes.

O coaching é um processo, com início, meio e fim, conduzido por profissional qualificado, numa relação de confiança, com vistas a alavancar o desempenho do indivíduo em sua vida pessoal, trabalho ou organização. O maior benefício do processo reside em levar a pessoa à ação. Esta ação pode envolver mudanças que promovem alterações de rotinas, celeridade na consecução das metas, como também transformações profundas do comportamento do indivíduo.

Como em todo e qualquer processo de mudança, o cerne está na vontade do indivíduo e em sua participação ativa no processo, permitindo-se experimentar novas experiências após as sessões. Se o indivíduo esquivar-se de agir e praticar suas “tarefas de mudança”, nada acontece. Ainda como parte central desta mudança, reside a atuação do profissional coach. Para conduzir o processo de coaching voltado para resultados tangíveis, exige-se formação específica, aliada à experiência em comportamento humano e conhecimento organizacional, principalmente quando a atuação é na área executiva.

O líder precisa entender o que é o processo de coaching, antes de dizer que atua como um coach em sua organização. Mas, em realidade, o que é verdadeiramente coaching? Coaching não é terapia, consultoria, aconselhamento, mentoria ou apenas treinamento. As diferenças falam por si.

Primeiro, a terapia é um tratamento clínico que não tem prazo para acabar, não é processo. Possui forte inclinação ao passado em contraposição ao coaching que não foca passado. A terapia tradicional envolve-se com doenças (depressão, síndrome do pânico, entre outras). O coaching atende a indivíduos funcionais que queiram melhorar ainda mais suas potencialidades. Nessa linha há forte correlação com a psicologia positiva preconizada por Martin Seligman, que trata especificamente de como os indivíduos podem ser mais felizes e plenos, se utilizarem o seu potencial ao máximo e desenvolverem suas capacidades.

A consultoria é a proposição de soluções para problemas identificados. O consultor aponta e sugere caminhos. O coach, por mais conhecimento que tenha sobre o objetivo trabalhado, precisa ter a disciplina de não usar estes conhecimentos para dizer o que o cliente deve fazer, mas sim expandir a consciência do cliente na identificação de alternativas, análise de cenários e riscos.

O aconselhamento é orientado para resolver problemas ou dificuldades, de forma pontual e ocasional. Há uma visão mais reativa que proativa. Segundo Hudson, autor do livro “The Handbook of Coaching”, coaching não é dar conselhos, não é consertar as coisas ou resolver problemas, mas enfatizar as forças do cliente e sua melhor utilização para alcançar os objetivos.

Treinamento é ensinar ou aperfeiçoar habilidades. No coaching desenvolve-se habilidades, criando um ambiente de aprendizagem. Daí a confusão com treinamento. Coaching é muito mais do que treinamento. É necessário criar um ambiente de confiança que desafia os atuais pressupostos, favorece as ideias, descortina novas possibilidades de comportamento e ação, desenvolve habilidades (caso específico do treino) e/ou remove bloqueios para haja a mudança efetiva.

A mentoria, segundo Kathy Kram, uma das maiores referências em pesquisa sobre mentoria no mundo, é um relacionamento que objetiva o desenvolvimento do indivíduo, no âmbito profissional e pessoal, com duas funções principais: função de carreira e função psicossocial.

Enquanto o coaching favorece diálogos que gera a reflexão, prática de novos comportamentos, com acompanhamento e identificação das evidências da mudança, tanto profissional como pessoalmente. No entanto, para se tornar um coach, o profissional precisa ser treinado para adquirir as técnicas e metodologia de intervenção para evitar resultados desastrosos. Se a profissão tem pontos em comum com as outras citadas, a mesma tem um lado definitivo de disciplina e interação com mútua confiança e profunda isenção, que pode não estar em outros procedimentos. Portanto, cuidado quando a consultoria ou um profissional diz que “faz coaching.” O coaching é estudado e praticado no mundo há mais de 30 anos, mas no Brasil a Sociedade Brasileira de Coaching tem apenas 10 anos. Como tudo o que é novo, todo cuidado é pouco!

» Lília Barbosa é diretora da Cozex Desenvolvimento Gerencial

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